sábado, 30 de abril de 2011

[Reportagem] Tim Hecker - 29 de Abril - Galeria Zé dos Bois

Ao entrarmos na Galeria Zé dos Bois (ZdB), apenas cinco minutos após a hora marcada para o início do concerto – números quase insignificantes quando se trata de um concerto na ZdB -, deparamo-nos com um rapaz e uma rapariga que se queixam do facto do concerto “ter começado a horas”, quando “o costume é atrasar sempre”. Preso por ter cão e preso por não ter…

Tim Hecker, é ele o responsável por este espectáculo que nos chega a horas, vem de Montreal, Canadá, sendo dono de uma prolífica carreira que conta já com seis álbuns e inúmeros EPs, desde 2001, ano em que se estreou. A música passeia-se pela ambient, mas também toca o noise e o shoegaze – algumas camadas de som parecem indiciar a samplagem de guitarras em grande distorção.

Sem luz – uma dificuldade para quem escreve, uma impossibilidade para quem fotografa -, o espectáculo (?) destina-se a criar ambientes e paisagens, faz um apelo à mente, incita à viagem mental. A música reflecte o que passava lá fora – uma verdadeira tempestade tropical -, ora há granizo a potes, ora vem um raio de sol, ora troveja violentamente, ora…. Na música, na ZdB, também era assim: ora caem camadas de drone, ora surge uma acalmia efémera, ora vêm reverberações shoegaze, ora...

O final também surge mais rápido que o habitual. Soam palmas e Hecker apressa-se a sair das imediações de toda a sua parafernália electrónica. “Já?”, ouvimos.

Texto originalmente publicado em: http://www.ruadebaixo.com

domingo, 17 de abril de 2011

[Crítica] Destroyer - Kaputt


Se Dan Bejar fosse o próximo convidado a preencher o questionário que aparece na última página da Pública (sai aos Domingos com o jornal O Público), a resposta à questão "Com que idade percebeu que falou na vida?" seria: "38". Kaputt é resultado da mente de alguém que percebeu que andou todo este tempo enganado, que afinal não era nada disto que queria para a sua vida. Foi-se Dylan e foram-se os Stones, foi-se a folk e os blues e vieram as canções com títulos intermináveis. Abriram-se novos horizontes e perspectivas. Proporcionou-se um grande disco.


É como diz o título: Kaputt. A fórmula avariou, desgastou-se. Não que os discos fossem absurdamente maus - não eram -, mas estava ali, à mão de semear, uma oportunidade para soltar o génio interior de um músico que já era um grande liricista. Bay of Pigs, o ep, lançou o burburinho. Kaputt confirma-o. É um dos discos mais singulares do primeiro semestre de 2011. Temos uma feroz crítica à América em canções como "Savage Nith at the Opera", "Suicide Demo For Kara Walker" e a óbvia "Song For America". Temos também belas vozes femininas, letras que fariam um agente da PIDE sentir-se um idiota, influências jazz - a de música de Gil Evans e Miles Davis é assumida pelo próprio Bejar -, sopros, um solo de guitarra que nos apanha completamente fora de guarda na já citada "Savage Night at the Opera" e os anos 80 dos New Order.


Soa ainda a peça teatral, conseguimos ver Dan Bejar a escrever sozinho num quarto ou num escritório em animado monólogo interior (ou exterior), qual génio louco capaz de nos converter à sua saudável insanidade.


Ao nono disco, Destroyer divide os fãs, mas, sobretudo, angaria vários novos admiradores. Canções sobre olhos azuis e não só, Kaputt é material para balanço anual.


8/10


quarta-feira, 13 de abril de 2011

[Reportagem] Asian Dub Foundation - 29 de Março - Santiago Alquimista


Os Asian Dub Foundation são uma daquelas bandas dos anos 90 que quando confirma um concerto em Portugal, muitos de nós questionamos: “Estes tipos ainda existem?”. Sim, existem e ao que parece o último disco data de 2008 – alguém se apercebeu? – e o próximo é editado no decorrer de 2011.

Santiago Alquimista, 28 de Março, sala a meio gás, mas público bastante entusiasta. Entram o tipo que controla toda a maquinaria e o percussionista, Prithpal Rajput, mas a plateia só percebe que o concerto está a começar, quando soam os primeiros sons samplados. Entra a guitarra, ouvem-se sons tribais, entra o baixo, ouvem-se guitarras wah-wah e nesta fase o homem da electrónica é o mestre-de-cerimónias. Por fim, entram em cena os dois vocalistas da banda, um de pronúncia jamaicana, o outro de ascendência oriental.

A sonoridade é um verdadeiro melting-pot em que o rock, hip hop, drum n’ bass, reggae, reggaeton e electrónica dão as mãos. A banda chama o público para “sentir a energia” e fazem-se valer disso para oferecer uma actuação triunfante. Ao nosso lado ouvimos falar de Need For Speed ou Fifa 2004 – convém referir que os grandes êxitos dos Asian Dub Foundation pertenceram a bandas sonoras de clássicos dos videojogos.

No Alquimista vimos de tudo: foliões, metaleiros, desajeitados, hipsters com a barba por fazer – todos eles, quando a banda dedica uma canção aos tunisinos, aos líbios e… aos portugueses, reagem como se estivessem todos no mesmo barco, de forma efusiva.

Problemas: Um: pareceu-nos, durante quase hora e meia, que estávamos a ouvir sempre a mesma canção; Dois: os Asian Dub Foundation poderiam fugir ao cliché que é o uso de palavras como “Revolution”, “Power” e “Light” - ideias fortes, mas que se perdem neste tipo de manifestação vazia em que o álcool fala mais alto que o coração, tornando-as inúteis; Três: afinal de contas, isto já não soa – se é que alguma soou – refrescante. Isso percebe-se nas canções mais celebradas, como, por exemplo, «Flyover», que é um hit de péssimo gosto e puramente adolescente que se destina a estimular hormonas.

Nada a apontar ao espectáculo que foi, afinal de contas, triunfante. Mas, no fundo, os Asian Dub Foundation fazem lembrar os carros do Need For Speed. Óptimos para acelerar um à noite, demasiado berrantes para passear durante o dia.

Uma última nota às garrafas de vidro de cerveja que vimos passear pela sala. Já vimos as coisas correrem mal, por muito menos.


Fotografia: José Eduardo Real

quarta-feira, 6 de abril de 2011

[Reportagem] B Fachada - 3 de Abril - Teatro Maria Matos




Deixemo-nos de tretas, B Fachada é o mais importante novo músico nacional dos últimos dez anos. Sem merdas: é capaz de dividir um mundo em dois, de um lado os detractores que odeiam mais o Bernardo Fachada do que a música do artista, B Fachada, do outro os apreciadores, público informado que ouviu mais do que o ep de estreia do mais importante novo músico nacional dos últimos dez anos. Nós, já devem ter reparado, encontramo-nos no grupo dos apreciadores. Até porque se colocássemos de parte um artista apenas porque é mal criado, feio ou porque tem os dentes podres e as unhas pintadas, nunca ligaríamos peva a Lou Reed ou a Tom Waits.

Primeiro foi Viola Braguesa, ep que só não passou ao lado dos mais atentos. Seguiu-se Um fim-de-semana no Pónei Dourado, o disco que divide. Por um lado os que dizem que “Zé” é “a única canção gira” (vamos lá, a sério?), do outro os que assumem que “Beijinhos” e “O Ciúme e a Vergonha” é que são as verdadeiras pérolas. Depois veio O Disco, que é nome, mas também é isso mesmo, “O disco” de B Fachada, a obra-prima. Este álbum, o segundo de B Fachada, não foi ouvido pelos detractores, os tais que acham que o “Zé” é que é. Com Há Festa na Moradia, Fachada regressou a um estética mais lo-fi – e aqui admite-se que afaste alguns. Com É p’ra meninos, disco simpático de canções infantis, B Fachada converte mais uns quantos à sua causa. Parece ser o disco que divide aquilo que já está dividido. Divide os detractores – de um lado os detractores que continuam a ser detractores, do outros os detractores que passam a ser apreciadores. Uma valente confusão. Chegamos assim ao Teatro Maria Matos.

Bernardo está cansado depois da sessão das quatro da tarde - as crianças, claro. A sessão da noite, para graúdos, é portanto a feijões. O concerto começa com canções dos discos anteriores como “Só te Falta Seres Mulher” (grande, grande canção), mas rapidamente se centra em É p’ra Meninos. “Barrigão”, com Lula Pena, é a primeira e, acreditem, não é só p’ra meninos, é p’ra toda a gente menos para aqueles que têm o coração sensível. Assombrosa. Também ouvimos as óptimas “Tó Zé”, “Dia de Natal” e “Conselhos de Avô”, mas é com “Estar à espera ou procurar”, do disco homónimo que o público volta a reagir de forma mais efusiva, mostrando que o novo álbum ainda não está bem assimilado. Ninguém se queixa, mas o músico faz questão de alertar: “Eu sei que podemos parecer amadores, mas não é isso. É apenas sem truques e sem magia”. A máquina ainda não funciona em pleno e o artista assume-o sem pudores – não é a isto que chamamos de modéstia?

Tal como B Fachada este texto e o seu escriba são capazes de dividir, ser aplaudidos e atacados. Sem problema – se conseguirmos que, pelo menos, um detractor se ponha a ouvir “O disco” com alguma dedicação, esmiúce a coisa e depois, aí sim, decida se isto é bom ou mau, o texto já valeu a pena. Dos detractores que conhecemos, só ouvimos argumentos como “B Fachada é um pseudo-intelectual com a mania”, ou que “é uma Fachada” – esta última é claramente uma piada fácil com que Bernardo já deveria estar a contar quando iniciou o projecto. Os argumentos não apontam para a música, apontam para a pessoa, a pessoa que incomoda e incomoda porque destoa. Afinal de contas, é tão cool gostar de Fachada como não é não gostar.

Publicado em www.ruadebaixo.com